Crítica | A Lenda de Ochi é fábula de emoções vazias
Isaiah Saxon investe em efeitos práticos e estética artesanal, mas não encontra força na construção narrativa
Existe um tipo de frustração que, em particular, é difícil de digerir: aquela que surge diante de uma obra incapaz de comunicar algo que vá além da forma, mesmo sendo construída com muito apuro e cuidado. Esse é o caso de A Lenda de Ochi, estreia de Isaiah Saxon na direção de longas-metragens. O filme até possui suas competências visuais, e algumas habilidades técnicas saltam aos olhos. Porém, Ochi é o tipo de obra onde a atmosfera e estética, não se sustentam sozinhas. Conflitos, tensões e valores emocionais estão presentes sem aprofundamento suficiente para dar peso à jornada. O resultado é próximo de um vazio imagético: tudo tenta ser belo, mas nada reverbera de fato.
Ao resgatar o valor dos efeitos práticos na fantasia atual, A Lenda de Ochi adota uma estética tátil e seu autor demonstra bastante domínio da técnica. Os cenários encantam, as criaturas funcionam como marionetes com apelo nostálgico e a fauna ganha destaque como o componente mais marcante. O jovem Ochi remete a um Mogwai de Gremlins, antes de ganhar traços de símio na fase adulta. No entanto, todo o apreço visual não se reflete na construção da narrativa. O que acompanhamos é um mosaico de ideias soltas, onde cada elemento — a adolescente inconformada, o pai rígido, a mãe ausente, o ser adorável, a jornada por territórios misteriosos — parece retirado de um manual genérico de mitologias contemporâneas.
Ochi experimenta com o sensorial e tropeça em um silêncio que revela mais uma falta de voz do que uma escolha deliberada. Saxon parece confiar que imagens de musgos pulsantes, cavernas em cores artificiais de VHS e criaturas fofas seriam suficientes para gerar significado. A história acompanha Yuri, marcada pela ausência da mãe e pelo controle do pai. Após encontrar um filhote de Ochi ferido, ela embarca em uma jornada de reconexão com o ser, com a natureza e consigo mesma. A estrutura lembra a base de Como Treinar o Seu Dragão: o pai do protagonista teme e caça as criaturas, enquanto ele se aproxima de uma delas, e tenta compreendê-la. Contudo, ao contrário do filme da DreamWorks, aqui esse contraste passa longe de gerar embates emocionais concretos.
Os habitantes da ilha fictícia de Carpathia, caçadores dos Ochi por décadas, surgem como figuras irrelevantes dentro do próprio universo. Pouco é revelado sobre aquela sociedade e seus aspectos culturais. Maxim, interpretado por Willem Dafoe, é um antagonista que só se impõe graças à presença do ator, que parece se divertir no papel. Já Helena Zengel, como Yuri, transmite uma frieza que dificulta qualquer vínculo afetivo. Ainda que tente sugerir grandiosidade, o longa permanece preso à superfície. Muitas ideias soam como esboços inacabados de um storyboard. A sensação é de que tudo está sob controle de um criador distante da alma de seus personagens. Isso acaba intensificado no terceiro ato, que se desenrola de forma abrupta e sem impacto.
Apesar de todo o cuidado em relação aos efeitos, Ochi escancara uma lacuna entre forma e conteúdo. A dedicação de Saxon ao trabalho artesanal não compensa a fragilidade da obra. O filme é posto como uma vitrine sem vida de imagens suaves, iluminadas e coloridas. Até mesmo a relação central entre Yuri e a pequena criatura, motor emocional, se arrasta para conseguir ressoar algum sentimento. A Lenda de Ochi é fruto de um trabalho que tropeça justamente naquilo que deveria ser sua essência: o coração da fábula.
A Lenda de Ochi (The Legend of Ochi - EUA, 2025)
Direção: Isaiah Saxon
Roteiro: Isaiah Saxon
Elenco: Helena Zengel, Willem Dafoe, Emily Watson, Finn Wolfhard
Duração: 95 min.