Crítica | Chico Bento e a Goiabeira Maraviosa leva os gibis ao cinema
Fantasia e emoção carregam adaptação cinematográfica do icônico personagem de Maurício de Sousa
No vívido cenário da Vila Abobrinha, Fernando Fraiha é o responsável por transformar as histórias de Chico Bento em uma obra que traduz com delicadeza a essência do menino roceiro dos gibis de Maurício de Sousa. Em Chico Bento e a Goiabeira Maraviosa, o diretor expande o mundo da Turma da Mônica com um cuidado genuíno, transpondo para a tela não apenas as aventuras, mas também o humor e a pureza que tornam o personagem tão querido. Seu cotidiano do interior e sua relação com a natureza revelam um modo de vida simples, mas cheio de significado, onde detalhes pequenos, do tamanho de uma semente, carregam pelo vento histórias de imenso valor.
Isaac Amendoim dá vida a Chico Bento com uma interpretação que captura a essência do personagem, equilibrando travessura e generosidade. Sua relação com a goiabeira de Nhô Lau, que se torna um símbolo de resistência local, é o ponto emocional central da narrativa, tanto pelo vínculo pessoal do protagonista com a árvore quanto pela reflexão sobre a importância da natureza como representação da memória coletiva daquele lugar. O forte senso de comunidade na Vila Abobrinha é evidenciado nas interações de Chico com seus amigos, que se unem diante do conflito apresentado. Esses laços reforçam a sensação acolhedora que permeia todo aquele ambiente, onde a convivência é marcada por solidariedade, afeto e uma constante troca de experiências entre gerações.
A trama é simples: proteger a goiabeira que o Doutor Agripino deseja destruir para construir uma estrada no local. No entanto, a história se revela perspicaz ao explorar os aspectos do conflito entre a preservação da natureza e a busca por um suposto "progresso", que, na verdade, disfarça o plano ganancioso do vilão. A narrativa também reflete os motivos que levam os habitantes da vila a acreditarem nas palavras do Doutor e caírem nessa armadilha. O humor, presente de forma natural ao longo do filme, ajuda a equilibrar o tom de uma obra que também aborda temas que vão de questões ambientais a valores de pertencimento e respeito. E é interessante notar como o longa nunca subestima a inteligência de seu público infantil ao tratar esses assuntos com sua devida profundidade.
O longa explora muito bem suas sacadas visuais. A fotografia trabalha com tonalidades saturadas, contraluzes e uma iluminação amarelada, transportando-nos para um cenário que nos envolve com seu clima nostálgico. A câmera de Fraiha alterna entre planos fechados, que nos aproximam emocionalmente dos personagens, e planos abertos, que revelam imagens espetaculares da Vila Abobrinha. Há um trabalho cuidadoso em transpor para o cinema a estética e o visual dos gibis de Maurício de Sousa, preservando o charme e a leveza de suas ilustrações. A fluidez das cenas, a composição dos quadros e a paleta vibrante criam uma atmosfera que remete diretamente aos quadrinhos, mas sem deixar de lado o olhar cinematográfico.
A autenticidade e o carisma da obra vêm, em grande parte, de um elenco infantil excepcional. Embora alguns personagens ainda mantenham características caricaturais, há uma grande dose de humanidade na forma como são retratados, o que os torna facilmente relacionáveis e cativantes. No fim, são crianças se divertindo, o que traz uma leveza imensa a uma adaptação que vai muito além de ser apenas um apelo comercial para aqueles que cresceram lendo os gibis de Chico Bento e sua turma. A beleza da obra está em saber encontrar caminhos divertidos para, além de criticar a destruição ambiental, também refletir de forma sincera sobre família, amizade e senso de coletividade.
É essa diversão, genuinamente infantil, que carrega consigo uma magia única. Uma fantasia que dá forma ao encanto presente na mente de cada criança, incluindo a de Chico Bento. Um menino tão conectado às suas raízes que passa a ver a goiabeira de uma maneira mágica, personificada como uma mulher que tem o poder de alterar sua forma e orientá-lo em sua jornada pessoal. É mágico, também, assistir a um filme tão maravioso e aprumadim, que nos convida a olhar o mundo com os olhos de quem ainda acredita que ele pode ser um lugar melhor. Afinal, que mundo é esse que troca goiaba por asfalto?
Chico Bento e a Goiabeira Maraviosa (Brasil, 2025)
Direção: Fernando Fraiha
Roteiro: Raul Chequer, Fernando Fraiha, Elena Altheman
Elenco: Isaac Amendoim, Pedro Dantas, Anna Júlia Dias, Davi Okabe, Guilherme Tavares, Lorena Oliveira, Luís Lobianco, Augusto Madeira, Enzo Henrique, Débora Falabella, Taís Araújo, Rafael Saraiva
Duração: 101 min.