Crítica | Pepe é fábula experimental sobre colonialismo
Documentário transforma história do hipopótamo de Pablo Escobar em alegoria da diáspora africana
Nelson Carlo de los Santos Arias aborda o tema do colonialismo de forma excêntrica e provocativa em Pepe, utilizando os hipopótamos, tanto no sentido literal quanto simbólico, como representação das cicatrizes da escravidão que se estendem até os territórios dos responsáveis históricos. Após a morte de Pablo Escobar, os hipopótamos que ele trouxe ilegalmente para sua propriedade na Colômbia escaparam e se tornaram uma espécie invasiva, causando problemas ambientais e ameaças à população local. Um desses animais, apelidado de Pepe, foi morto em 2009, um evento que serve como ponto de partida para a história do filme. No entanto, Pepe ultrapassa os limites de um documentário convencional ao misturar narração multilíngue, cinema experimental e elementos de ficção, resultando em uma obra provocante visualmente e narrativamente.
A obra de Arias retrata Pepe como uma alegoria que vai além de um ser, ele simboliza todos os indivíduos capturados na África e levados para sua morte na América do Sul. Com uma estrutura narrativa não linear, o longa alterna entre documentário e ficção experimental, utilizando registros de arquivo, cenas reencenadas e paisagens deslumbrantes que ilustram a beleza tanto do continente africano quanto dos rios colombianos. Apesar da proposta intrigante e da grandiosidade visual das cenas, o filme por vezes se torna disperso e irregular, o que prejudica parte de sua fluidez. As comparações com EO, de Jerzy Skolimowski, são inevitáveis. No entanto, enquanto o filme polonês se destaca pela simplicidade e foco bem estabelecido, Pepe tenta equilibrar ousadia formal e uma complexidade temática que, vez ou outra, se perde em sua própria ambição.
Começando com a morte de Escobar e retrocedendo até as origens de Pepe na África, a narrativa dá ao hipopótamo diversas vozes que nos guiam por uma jornada introspectiva sobre sua condição e deslocamento. As interações humanas com os animais também são exploradas, como no caso de um pescador, que vê em Pepe uma combinação de criatura sagrada e ameaça monstruosa, e de sua esposa, que acredita que as histórias sobre o hipopótamo são apenas desculpas para traições. A montagem abraça uma diversidade de formatos (digital, 16mm, cores vibrantes, preto e branco) que reforça a sensação de algo mais experimental. Os leves toques de humor que existem nos momentos de reencenação se entrelaçam com cenas impactantes, criando um trabalho provocador em sua abordagem narrativa.
Pepe é uma jornada esteticamente audaciosa, que nos provoca a confrontar as questões históricas latinas, especialmente as cicatrizes deixadas pelo colonialismo, pela exploração e pelas dinâmicas de poder que ainda marcam a região. Através da figura do hipopótamo, que se torna um reflexo das contradições e resistências locais, o filme nos leva a uma reflexão sobre as marcas da colonização e o legado que perdura. Pepe nos conduz por suas águas, sejam calmas ou turbulentas, transformando a experimentação em um exercício de compreensão do impacto de um passado que ainda reverbera no presente.
Pepe (República Dominicana, Namíbia, 2024)
Direção: Nelson Carlos de los Santos Arias
Roteiro: Nelson Carlos de los Santos Arias
Elenco: Jhon Narváez, Sor María Ríos, Fareed Matjila, Harmony Ahalwa, Jorge Puntillón García, Shifafure Faustinus
Duração: 122 min.