Crítica | Missão: Impossível - O Acerto Final reafirma Tom Cruise como símbolo do cinema de ação
Possível encerramento da saga transforma Ethan Hunt em figura messiânica
"Espero que, com o tempo, você perceba que esta vida não foi obra do acaso. Isso foi o seu chamado. Seu destino." A frase dita por Luther (Ving Rhames) em Missão: Impossível – O Acerto Final sintetiza, com uma precisão quase incisiva, tanto o personagem Ethan Hunt, quanto o próprio Tom Cruise enquanto figura cinematográfica. Se ao longo da franquia acompanhamos um agente disposto a sacrificar tudo pelo sucesso de suas missões, é apenas agora, neste suposto encerramento, que o discurso assume sua totalidade como conto mitológico. Desde a escalada ao Burj Khalifa em Protocolo Fantasma, o corpo de Hunt/Cruise passou a encarnar uma ideia cada vez mais clara: a do impossível como vocação. É um chamado que ultrapassa a lógica e flerta com a teologia. Como se fosse necessário reafirmar o milagre, o filme o submete às situações mais absurdas, de um submarino rotativo no fundo do oceano à perseguição aérea suicida. E em todas elas, Ethan sobrevive. Não porque pode, mas porque deve.
Essa leitura espiritualizada está entranhada na visão de Christopher McQuarrie. O diretor estrutura o filme como um culto em torno de Ethan: a câmera o reverencia constantemente, os companheiros o seguem como apóstolos em busca de fé em um símbolo de esperança. A decisão de manter o protagonista separado da equipe durante grande parte da narrativa reforça essa aura solitária e sagrada. Ethan vaga pelos planos como uma figura errante. Um messias à procura de sua última redenção. O roteiro, ainda que frágil, compreende isso: já não importa o realismo da operação, mas a crença nela. A trama se comporta como uma engrenagem funcional, em que o essencial é a suspensão da descrença, o estado de fé do espectador. Você não precisa entender o plano, só precisa acreditar que, de algum modo, ele dará certo.
É preciso falar de Tom Cruise, pois O Acerto Final marca mais do que o fim de sua saga mais reconhecida. É um verdadeiro testamento da imagem que o ator construiu ao longo da carreira. Ao assumir o papel de guardião do cinema de ação, Cruise transforma cada cena arriscada em um ritual e cada acrobacia em uma demonstração de fé na experiência cinematográfica. Ethan desafia a morte para salvar o mundo, enquanto Tom, o último grande astro, ultrapassa os limites do corpo e da razão para provar que o cinema ainda importa. Para o ator, a sala escura permanece um santuário, onde o cinema de ação se mantém épico, intenso e, acima de tudo, humano.
Não por acaso, a inteligência artificial é o inimigo final. O “anti-Deus”, como é apontado na obra, é uma escolha narrativa com implicações simbólicas claras: o vilão é tudo o que automatiza, fragmenta e substitui o esforço e a criatividade humana por cálculos de um algoritmo. Diante dessa ameaça, Hunt/Cruise se posiciona como o último defensor da autenticidade. Por isso, mesmo com uma primeira hora truncada e uma verborragia excessiva sobre seu subtexto, o filme se sustenta pela força sensorial da experiência. Há algo intensamente físico, seja na maneira como a ação é filmada, nos paralelismos da montagem durante as lutas simultâneas entre diferentes núcleos, ou na respiração suspensa da longa sequência subaquática. É um tipo de ação raro no cinema contemporâneo. Missão: Impossível – O Acerto Final encerra, ao menos por agora, uma das maiores sagas do cinema de ação com uma entrega total à sua mitologia. O longa abre mão do enredo pela coreografia de ação e faz de Tom Cruise o símbolo de um modo de fazer cinema.
Missão: Impossível – O Acerto Final (Mission: Impossible – The Final Reckoning - EUA, 2025)
Direção: Christopher McQuarrie
Roteiro: Christopher McQuarrie, Erik Jendresen
Elenco: Tom Cruise, Hayley Atwell, Ving Rhames, Simon Pegg, Esai Morales, Pom Klementieff
Duração: 170 min.